sábado, 8 de setembro de 2012

Crisálida

Há um mundo lá fora, e eu sei disso porque ouço vozes. Elas ondulam e estremecem meu asilo, arrancando-me arfadas de terror. Nos meus piores pesadelos sou vomitado e, cercado delas, obrigado a viver o que é a mim incompreensível. Tenho medo do que é novo e tenho medo de viver o que não consigo significar. Queria ao menos ter o conforto de fingir que entendo meu mundo para manter minha cabeça emersa sobre minha desorganização profunda.

Gosto de imaginar que quando minha hora por fim chegar, uma mão desconhecida e cálida me guiará para um destino que aceitarei com horror. E a partir daí o horror será minha única companhia, meu intérprete das vozes ininteligíveis que nunca se calam. Não, não são as origens das vozes que me assombram, mas sim o que elas tem a me dizer. Pessoas em si jamais me causarão receio. O que me interessa é o néctar que elas possuem, são seus interiores e essências dos quais quero me alimentar e colecionar, assim como um degustador carrega sua sina infinita de avaliar sabores.

Alguém? Você pode me ouvir? Consegue escutar o bater mudo das minhas asas que mal causam uma aragem na minha clausura?  Então dá-me a tua mão. Dá-me a tua mão e deixe-me segurá-la até que essa metamorfose esteja completa e as vozes se transformem em rostos, o desconhecido se converta em familiar, brisas sejam furacões e eu consiga – enfim – voar.

domingo, 8 de abril de 2012

Nota ao que não foi

Escrevo enquanto a escuridão do céu noturno se transforma no mais pálido azul etéreo. Escrevo enquanto o prelúdio de sol alimenta a alvorada nesse pedaço do país. Escrevo agora por, assim como a aurora, viver de penumbra e luz. Escrevo enquanto meus dedos ainda me permitem essa autoflagelação. Escrevo por lamentar viver nesse eterno estado de estar a um passo do clímax da minha vida. Escrevo para tentar ficar a um passo de mim mesmo e dois além de você. Escrevo por estar à procura desse leve e diáfano prazer geral que chamam de revolução, de amor. Escrevo ainda para afrouxar o nó dos sapatos que uso nessa inútil jornada de busca. Escrevo para tentar interromper meu falecimento gradual, essa polimerização macabra que só me adiciona monômeros de morte. Enquanto falho miseravelmente, me permito cair no fractal, viver dessas pequenas repetições simétricas e incontáveis do que nunca acontece.