Há
um mundo lá fora, e eu sei disso porque ouço vozes. Elas ondulam e estremecem
meu asilo, arrancando-me arfadas de terror. Nos meus piores pesadelos sou
vomitado e, cercado delas, obrigado a viver o que é a mim incompreensível. Tenho
medo do que é novo e tenho medo de viver o que não consigo significar. Queria ao
menos ter o conforto de fingir que entendo meu mundo para manter minha cabeça
emersa sobre minha desorganização profunda.
Gosto de imaginar que
quando minha hora por fim chegar, uma mão desconhecida e cálida me guiará para
um destino que aceitarei com horror. E a partir daí o horror será minha única
companhia, meu intérprete das vozes ininteligíveis que nunca se calam. Não, não
são as origens das vozes que me assombram, mas sim o que elas tem a me dizer.
Pessoas em si jamais me causarão receio. O que me interessa é o néctar que elas
possuem, são seus interiores e essências dos quais quero me alimentar e
colecionar, assim como um degustador carrega sua sina infinita de avaliar
sabores.
Alguém? Você pode me
ouvir? Consegue escutar o bater mudo das minhas asas que mal causam uma aragem
na minha clausura? Então dá-me a tua mão.
Dá-me a tua mão e deixe-me segurá-la até que essa metamorfose esteja completa e
as vozes se transformem em rostos, o desconhecido se converta em familiar,
brisas sejam furacões e eu consiga – enfim – voar.